Em 10 de março de 2025, foi publicado acórdão proferido pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF, no qual se decidiu pela incidência de contribuições previdenciárias sobre o fornecimento de material/kit escolar a trabalhadores.
No caso concreto, o kit escola decorria de previsão em norma coletiva do trabalho e era disponibilizado quando os beneficiários, empregados e dependentes, comprovavam que estavam cursando o ensino médio.
A Receita Federal do Brasil (RFB) considerou que o fornecimento de material escolar aos trabalhadores e seus dependentes se caracterizaria como remuneração in natura â ou também chamado de salário-utilidade. Isto é, quando a remuneração pelo serviço prestado pelo trabalhador ocorre mediante entrega de bens, direitos ou vantagens â dotados de conteúdo econômico â, em detrimento da remuneração usual em dinheiro. Sendo um ganho habitual do trabalhador, ainda que na forma de utilidade, seu valor comporia a base de cálculo das contribuições previdenciárias.
De acordo com o entendimento firmado pela CSRF, a habitualidade do pagamento não estaria associada ao número de vezes em que é efetuado, mas sim à pertinência que guarda com a relação laboral. Dessa forma, apenas seria eventual o pagamento que não tivesse qualquer relação com a prestação de serviços. No caso, reconheceu-se que o valor relativo ao material escolar remunera o trabalhador de maneira indireta, uma vez que sua concessão decorre da própria existência do vÃnculo de emprego.
A CSRF considerou que, diferentemente de outras verbas que teriam sido taxativamente excluÃdas do campo de incidência das contribuições pela lei, tais como vale-transporte e diárias para viagem, a mesma previsão não existe para kits e materiais escolares. Conforme consignado no voto vencedor, o Regulamento da Previdência Social (RPS) prevê a possibilidade de exclusão de âganhos eventuaisâ e âoutras indenizaçõesâ, desde que haja previsão legal expressa nesse sentido, o que não existiria no caso dos kits.
Além da ausência de expressa desvinculação do salário por força de lei, considerou-se que as verbas não poderiam se enquadrar no conceito de âganhos eventuaisâ para fins de exclusão da base de cálculo das contribuições previdenciárias, uma vez que não ocorreram em razão de liberalidade do empregador, mas sim de acordo celebrado entre as partes.
Ademais, foi fixado que a isenção referida na alÃnea âtâ do § 9º do art. 28 da Lei n. 8.212/1991 não alcança o custeio de despesas com a aquisição de material/kit escolar. Para a Câmara Superior, os gastos com materiais escolares não se enquadrariam no referido dispositivo, o qual prevê que apenas não compõe o salário-de-contribuição o valor relativo ao plano educacional ou à bolsa de estudo voltado para a educação básica de empregados e seus dependentes.
Por fim, ressalta-se que o relator do processo proferiu voto vencido, segundo o qual o kit escolar não seria habitual e tampouco remuneraria o trabalho. De acordo com o relator, a referida verba seria, na realidade, uma liberalidade ou medida compensatória do empregador decorrente da própria negociação coletiva e do dissÃdio coletivo que o gerou.
De acordo com Paulo Coimbra, sócio do CCBA: âNota-se que a CSRF, mais uma vez, vale-se de uma noção, data vênia, indevida dos requisitos da habitualidade e do caráter remuneratório fixados no Tema n. 20/RG como necessários para a incidência das contribuições previdenciárias.
Primeiro, o acórdão traça vÃnculo inexistente entre os requisitos ao dispor que é habitual o pagamento que decorra da existência da relação de trabalho que indiretamente remunere o trabalhador. Isso porque os requisitos constitucionais explicitados pelo STF são autônomos e cumulativos entre si, sendo perfeitamente possÃvel que uma verba, ainda que paga de forma habitual, não tenha natureza remuneratória.
Não obstante, como bem ressalvado pelo voto vencido, os kits e materiais escolares equivalem a uma medida compensatória do empregador e não remuneram o trabalho. Sendo valor voltado para a manutenção do capital humano, este não pode se configurar como rendimento do trabalho para fins de incidência das contribuições previdenciárias, visto que não implica qualquer acréscimo patrimonial decorrente do trabalho disponÃvel ao obreiro.â
O Coimbra, Chaves & Batista encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria.