As arestas do Imposto Seletivo. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nossa sócia Alice Jorge fala sobre a lista de produtos sujeitos ao IS e os possÃveis problemas que podem surgir com o tributo.
Confira no recorte abaixo:
O objetivo do Imposto Seletivo (IS), o âimposto do pecadoâ criado pela Reforma Tributária, é o de desestimular o consumo de bens prejudiciais ao meio ambiente e/ou à saúde. Embora a regulamentação da reforma (Lei Complementar 214/25) tenha definido o rol de produtos que podem ser considerados nocivos, a discussão promete ter vida longa. Tributaristas consideram que ainda há várias arestas sobre o imposto a serem aparadas e consideram provável a judicialização sobre o IS.
âO IS é um tributo novo, sobre o qual ainda não temos doutrina consolidada e tampouco precedentes judiciais. Será preciso construir os conceitos e certamente haverá dissenso na interpretação das normasâ, afirma Alice de Abreu Lima Jorge, sócia do Coimbra, Chaves & Batista Advogados. Ela avalia que uma das possÃveis discussões sobre o imposto é a sua natureza extrafiscal (ou não), inclusive eventual inconstitucionalidade de sua incidência sobre alguns dos itens relacionados na Lei Complementar nº 214/25 (LC 214/25). A advogada considera que, se a justificativa para a tributação pelo IS â ser prejudicial à saúde e/ou ao meio ambiente â for entendida de forma ampla e ilimitada, o imposto poderia incidir sobre quase qualquer bem e a União, para além da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), teria também competência para um segundo tributo sobre consumo, concorrendo com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será cobrado por Estados e municÃpios.
âPara que o IS se justifique e seja compatÃvel com o princÃpio federativo, ele precisa ser entendido e interpretado como um tributo extrafiscal â a saber, um instrumento de polÃtica fiscal, cuja finalidade principal é induzir comportamentos desejados ou desestimular aqueles indesejados.â No entanto, Alice Jorge avalia que a escolha dos bens sujeitos ao IS não é coerente com o desestÃmulo de comportamentos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente ou com a indução de condutas mais saudáveis sob o aspecto ambiental.
Produtos sujeitos ao Imposto Seletivo 2v354v
Alice Jorge, do Coimbra, Chaves & Batista, avalia que a lista de itens sujeitos ao IS, conforme previsto na LC 214/25 não parece adequada. Um exemplo disso, em sua visão, é a sujeição indiscriminada de veÃculos, embarcações e aeronaves ao IS. âNo caso dos veÃculos, há previsão de diferenciação de alÃquotas conforme critérios relacionados a aspectos ambientais, mas a lei complementar não afasta a incidência em nenhum destes casos. Há uma polÃtica pública para desestÃmulo ao setor automotivo? Existe uma alternativa ao transporte rodoviário no paÃs para que esse desestÃmulo possa ser efetivo e gerar impactos positivos sob o aspecto ambiental?â, questiona.
A advogada lembra que até mesmo ambulâncias e carros funerários serão tributados pelo IS, pois somente foram excetuados os veÃculos de uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de segurança. âQual o comportamento se busca desestimular com a tributação pelo IS de ambulâncias?â
Na entrevista abaixo, Alice Jorge aborda a lista de produtos sujeitos ao IS e os possÃveis problemas que podem surgir com o tributo.
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â Após muitas idas e vindas na discussão do PLP 68/24, quais itens ficaram sujeitos ao Imposto Seletivo (IS)? 13183
A Lei Complementar nº 214/2024 prevê a incidência do Imposto Seletivo sobre os seguintes bens, por ela considerados como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente:
- carvão mineral;
- automóveis para ageiros e veÃculos para transporte de mercadorias, observadas caracterÃsticas especÃficas das NCMs indicadas na lei complementar (a exemplo da carga máxima bruta) e excetuados os caminhões e os veÃculos com caracterÃsticas técnicas especÃficas para uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de Segurança Pública;
- aeronaves tripuladas concebidas para propulsão a motor (exceto veÃculos espaciais) e embarcações de recreio ou esporte a motor, excetuadas as aeronaves e embarcações com caracterÃsticas técnicas especÃficas para uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de Segurança Pública;
- produtos fumÃgenos acondicionados em embalagem destinada ao consumidor final;
- bebidas alcoólicas acondicionadas em embalagem destinada ao consumidor final;
- refrigerantes;
- minérios de ferro e seus concentrados;
- óleos brutos de petróleo;
- gás natural (exceto se utilizado como insumo em processo industrial ou como combustÃvel para fins de transporte, hipótese na qual a alÃquota deverá ser fixada em zero);
- concursos de prognóstico e fantasy sport.
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â Em sua avaliação, a lista de itens sujeitos ao IS é adequada e reflete de fato as atividades ou produtos que nocivos à saúde e ao meio ambiente? 231428
A lista de itens sujeitos ao IS conforme previsto na Lei Complementar nº 214/25 não nos parece adequada.
O IS vem previsto na Constituição Brasileira como um imposto sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Se essa outorga de competência for entendida de forma ampla e ilimitada, o IS poderia incidir sobre quase qualquer bem: viver é poluente e quase tudo também pode ser prejudicial à saúde. Nessa interpretação, a União, para além da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), teria também competência para um segundo tributo sobre consumo, concorrendo com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) â o que concentraria ainda mais receita na União, enfraquecendo o nosso já sofrido federalismo.
Para que o IS se justifique e seja compatÃvel com o princÃpio federativo, ele precisa ser entendido e interpretado como um tributo extrafiscal â a saber, um instrumento de polÃtica fiscal, cuja finalidade principal é induzir comportamentos desejados ou desestimular aqueles indesejados. E será justamente na extrafiscalidade que nós encontraremos os limites para o exercÃcio da competência tributária pela União.
Ao se avaliar a lista de bens sujeitos ao IS sob a lente da extrafiscalidade, não vislumbramos fundamentos para a escolha legislativa que sejam coerentes com o desestÃmulo de comportamentos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente ou com a indução de condutas mais saudáveis ou benéficas sob o aspecto ambiental.
- Qual o comportamento o Estado pretende estimular o desestimular com a sujeição indiscriminada de veÃculos, embarcações e aeronaves ao IS, por exemplo?
- No caso dos veÃculos, há previsão de diferenciação de alÃquotas conforme critérios relacionados a aspectos ambientais, mas a lei complementar não afasta a incidência em nenhum destes casos. Há uma polÃtica pública para desestÃmulo ao setor automotivo? Existe uma alternativa ao transporte rodoviário no paÃs para que esse desestÃmulo possa ser efetivo e gerar impactos positivos sob o aspecto ambiental?
- De acordo com a lista prevista na lei complementar, até mesmo ambulâncias e carros funerários serão tributados pelo IS, pois somente foram excetuados os veÃculos de uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de segurança. Qual o comportamento se busca desestimular com a tributação pelo IS de ambulâncias?
- Nas aeronaves, por sua vez, a previsão de tributação pelo IS só excetua aquelas destinadas ao uso operacional das Forças Armadas ou dos órgãos de segurança. Pretende-se desestimular a aviação no paÃs?
- CrÃticas similares podem ser feitas sobre a regulamentação da incidência do IS sobre o gás natural. Há previsão na lei complementar para que a alÃquota seja definida em zero quando o gás natural for utilizado como insumo em processo industrial ou como combustÃvel para fins de transporte. O gás natural usado para fins domésticos é considerado mais nocivo ao meio ambiente? Qual o comportamento se pretende desestimular com a sua tributação? Existem alternativas menos poluentes que o uso do gás natural para substituir as suas aplicações domésticas?
- O carvão mineral tem parte considerável do seu uso relacionado ao abastecimento de usinas termoelétricas, que são necessárias à matriz energética brasileira, especialmente naquelas ocasiões em que as usinas hidroelétricas não conseguem abastecer toda a demanda. Há uma polÃtica pública para desestÃmulo ao consumo de carvão mineral? Qual a alternativa a ser estimulada em substituição a este uso?
- A pesquisa e lavra de recursos minerais é atividade exercida mediante autorização ou concessão da União e no interesse nacional, conforme o artigo 176, §1º da Constituição. O Código de Minas, por sua vez, prevê que o titular da concessão tem o dever de iniciar a exploração e de não suspendê-la sem prévia comunicação ao órgão competente. A extração do minério de ferro e de seus concentrados, nesse contexto, é uma atividade desejada (e não desestimulada) pelo ordenamento jurÃdico brasileiro. Qual conduta se busca desestimular com a incidência do IS sobre a extração de minério de ferro de forma desvinculada do modo como se dá essa exploração?
Em todas as situações acima descritas, o IS deveria incidir não de forma indiscriminada, mas apenas sobre aquelas situações em que o exercÃcio da atividade econômica esteja sendo realizado em termos mais poluentes ou prejudiciais do que seria viável, considerando-se as alternativas disponÃveis. Somente se pode estimular ou desestimular comportamentos quando há alternativas possÃveis à conduta que se busca mitigar. A incidência indiscriminada, com fins arrecadatórios (e não extrafiscais), não é coerente com a identidade do IS que se extrai da Constituição brasileira.
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â O que será definido por lei ordinária e qual a expectativa com relação à s alÃquotas de IS? 2m4x6w
A lei ordinária definirá as alÃquotas do IS, inclusive no caso de sua incidência sobre importações. No caso dos bens minerais, a Lei Complementar já prevê que a alÃquota não poderá ultraar 0,25%.
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â Alguns consideram que poderá haver discussão jurÃdica e um novo contencioso sobre os itens sujeitos ao IS. Como você enxerga a questão? 684z3p
O IS é um tributo novo, sobre o qual ainda não temos doutrina consolidada e tampouco precedentes judiciais. Será preciso construir os conceitos e certamente haverá dissenso na interpretação das normas.
Como exemplos de possÃveis discussões que podemos vir a enfrentar em torno do IS, podemos citar:
- A natureza extrafiscal (ou não) do novo imposto e as possÃveis consequências do entendimento por sua natureza extrafiscal, inclusive eventual inconstitucionalidade de sua incidência sobre alguns dos itens relacionados na Lei Complementar nº 214/25.
- A definição da base de cálculo do novo imposto nas operações não onerosas (como transferências gratuitas, incorporação a ativo permanente e consumo), nas quais a Lei Complementar nº 214/25 prevê o cálculo com base em valor de referência a ser aferido conforme metodologia a ser definida pelo Poder Executivo, o que pode vir a ser contestado sob o argumento de violação à legalidade. O STF já itiu em outras oportunidades que ato do Poder Executivo defina elementos relevantes para a quantificação do tributo, como ocorreu no caso do grau de risco para fins de identificação da alÃquota da contribuição por riscos ambientais do trabalho (RAT), por exemplo. Contudo, nestes casos, a metodologia para que o decreto fizesse esse levantamento e divulgação de riscos estava definida na lei e isso foi determinante para as decisões que concluÃram para legitimidade da delegação ao decreto. à uma hipótese tratada na doutrina como discricionariedade técnica. Contudo, mesmo nos casos de discricionariedade técnica, a definição da metodologia precisa estar na lei, pois ela envolve uma escolha que, no Brasil, no nosso sistema tributário constitucional, entendemos que não pode ser delegada ao Poder Executivo.
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