Em recentes decisões do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) e de Varas do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), empresas foram autorizadas a compensar, como salário-maternidade, os valores pagos à s trabalhadoras gestantes em razão do afastamento das atividades presenciais, para mitigar o risco de contaminação pela Covid-19. O afastamento das empregadas gestantes das atividades presenciais foi determinado pela Lei nº 14.151/2021 em razão da emergência de saúde decorrente do novo coronavÃrus e do risco agravado de contaminação durante a gravidez.
A Lei nº 14.151/2021 prevê, em seu artigo primeiro, que o afastamento do trabalho presencial não deve prejudicar a remuneração da empregada. Contudo, não define a quem caberia a responsabilidade pelo pagamento desse benefÃcio nos casos de impossibilidade de exercÃcio da atividade laboral à distância.
Decisões recentes da primeira instância do TRF3 reconhecem que a verba prevista no art. 1º da Lei 14.151/2021 tem a natureza de benefÃcio previdenciário, pois o dispositivo criou o direito de afastamento das gestantes como uma medida de prevenção ao risco de contágio pela Covid-19. Esse benefÃcio tem como fundamento o direito social de proteção da maternidade, de acordo com o arts. 6º e 227 da CRFB/88. E, como tal, deveria ser ado por toda a coletividade e não apenas pelo empregador, ante o princÃpio da solidariedade, que fundamenta o dever coletivo da sociedade de financiar, direta ou indiretamente, a Seguridade Social.
Uma das decisões, proferida pela 1ª Vara Federal de JundiaÃ, reconheceu a natureza de benefÃcio da parcela paga à s gestantes afastadas no caso em que a empregada exercia atividade inviável de ser exercida à distância. O magistrado entendeu que essa situação é hipótese de concessão de salário-maternidade antecipado, à semelhança do benefÃcio previsto no §3º do art. 394-A da CLT. O mesmo entendimento prevaleceu em outra decisão da 14ª Vara CÃvel Federal de São Paulo. Duas decisões recentes do TRF4 também foram nesse sentido.
As decisões reproduzem os aspectos do Recurso Extraordinário 576967 (Tema nº 72 de Repercussão Geral). Na oportunidade, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da incidência de contribuições previdenciárias patronais sobre o salário-maternidade a partir da compreensão da natureza não remuneratória da verba, ante a inexistência de contraprestação da trabalhadora gestante ao empregador, apesar da manutenção de seu vÃnculo empregatÃcio. Na decisão, o relator apontou ainda que a oneração do salário-maternidade pelas contribuições previdenciárias viola a isonomia por agravar a discriminação da mulher no mercado de trabalho. Para mais detalhes, confira o artigo sobre o tema publicado no site do CCA.
Para nosso sócio, Guilherme Bagno, as decisões estão em conformidade com o entendimento do STF, com o posicionamento da Organização Internacional do Trabalho e da própria Receita Federal: âO benefÃcio instituÃdo pela Lei nº 14.151/2021 tem verdadeira natureza de salário-maternidade antecipado, ônus a ser ado pela coletividade por força do princÃpio da solidariedade social. Essa tese foi reconhecida pelo na ADI 5938, em que ficou decidido que o salário-maternidade antecipado é ônus do INSS e não do empregador. O entendimento foi firmado pelo STF quando da análise da constitucionalidade do art. 397-A da CLT. Compreensão contrária, em relação ao benefÃcio da Lei nº 14.151/2021, violaria os direitos sociais de proteção à maternidade, acentuando a desigualdade de gênero nos postos de trabalho. De forma similar, a Receita também se posicionou, por meio da Solução de Consulta nº 287 de 2019, a respeito do direito do contribuinte de compensar integralmente o salário-maternidade nos casos de afastamento por insalubridade do ambiente de trabalho.â
Ressalta, ainda, que âas decisões dão efetividade ao que determina o artigo IV, item 8, da Convenção 103 da OIT (ratificada pelo Decreto 10.088/2019): âEm hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas à s mulheres que ele empregaâ.â