Em 03/08, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma unânime, entendeu pela ilegalidade da revogação antecipada do benefÃcio fiscal para PIS/Cofins concedido pela Lei do Bem a varejistas do setor de eletrônicos. O entendimento foi firmado no julgamento do Recurso Especial nº 1.941.121, a respeito da revogação, em 2015, do benefÃcio que originalmente tinha previsão de duração até 2018.
Em 2005, a Lei nº 11.196, popularmente conhecida como a âLei do Bemâ, instituiu uma série de benefÃcios e estÃmulos à s empresas do setor de tecnologia e inovação. Ao longo dos anos 2000, os investimentos em P&D aumentavam exponencialmente e havia um interesse do poder público em aproximar a legislação brasileira a parâmetros internacionais de estÃmulos à inovação.
Um dos principais benefÃcios criados pela Lei do Bem foi o âPrograma de Inclusão Digitalâ, que zerou as alÃquotas da contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas de empresas varejistas de eletrônicos auferidas na venda de certos produtos. Esse benefÃcio, que inicialmente estava previsto para durar até 2009, foi prorrogado em duas oportunidades. Na primeira vez, pela MP nº 472/2009 (convertida na Lei nº 12.249/2010), que o estendeu até 2014 e, posteriormente, pela MP nº 656/2014 (convertida na Lei nº 13.097/2015) que fixava sua duração até o dia 31/12/2018.
Entretanto, em agosto de 2015, a MP nº 690/2015 (convertida na Lei nº 13.241/2015), suspendeu o benefÃcio para as empresas varejistas. Assim, a redução de alÃquotas â que deveria durar por mais três exercÃcios â foi subitamente interrompida, causando perdas à s empresas que tinham se adequado à s exigências legais para fazer jus ao benefÃcio.
O processo que chegou ao STJ questionava a interrupção repentina do benefÃcio. Os contribuintes argumentaram que a redução de alÃquota foi concedida a tÃtulo oneroso, vez que para conseguir usufruir dos benefÃcios as empresas precisaram adaptar seus modelos de negócios, cumprindo com contrapartidas exigidas pela lei que reduziam sua liberdade numa economia de mercado.
Em junho de 2021, a Primeira Turma já havia julgado um caso semelhante, quando decidiu por três votos favoráveis aos contribuintes e dois contrários que a revogação do benefÃcio de forma antecipada violou o art. 178 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse artigo proÃbe a modificação ou revogação de isenção quando concedida por prazo certo e em função de determinadas condições.
No julgamento de agora, porém, havia certa desconfiança de qual seria a postura a ser adotada pela Corte, uma vez que houve alteração na composição da turma, com a aposentadoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho e sua substituição pelo desembargador convocado do TRF5, Manoel Erhardt. Contudo, os ministros resolveram privilegiar a segurança jurÃdica. Mesmo os ministros Gurgel de Faria e Benedito Gonçalves â que haviam votado contrariamente aos interesses dos contribuintes em junho â decidiram acompanhar a relatora, ministra Regina Helena Costa, e votaram de forma favorável aos contribuintes, ressalvando seu entendimento pessoal.
Para a sócia do CCA, Marianne Baker, âem que pese a Lei do Bem ter concedido redução de alÃquotas, e não isenção, os efeitos dos dois institutos são similares, pois ambos reduzem o valor a ser pago pelo contribuinte. Por isso, o benefÃcio da Lei do Bem também pode ser enquadrado na garantia prevista pelo art. 178 do CTNâ.
Para Marianne, o princÃpio da proteção da confiança representa uma das razões de existir do Estado e pretende assegurar previsibilidade aos contribuintes. Na prática, ele deve impedir que os contribuintes que agem de boa-fé sejam prejudicados por alterações legislativas. âO art. 178 do CTN tem por objetivo garantir previsibilidade aos contribuintes que aderem de forma onerosa a programas que concedam benefÃcios fiscais. A movimentação do contribuinte para cumprir as contrapartidas estabelecidas pela lei representa o exercÃcio da confiança. O Estado deve garantir proteção à expectativa legitimamente criada de que aquele benefÃcio será mantido por um prazo certo. A MP nº 690/2015 violou essa certeza ao interromper prematuramente a redução de alÃquotas. Quando o Estado age de forma desleal, cabe ao Judiciário proteger a confiança, como muito bem fez a Primeira Turma do STJâ.